Ameaças Climáticas e Segurança Internacional:  Os desafios climáticos e os conflitos emergentes por Luísa Barateiro

27-07-2023

Bióloga e formadora da ISO-SEC na área da saúde em catástrofes e crises humanitárias. Mestranda em Epidemiologia e Saúde Pública. 

Muito, muito em breve cursos na área das Alterações Climáticas.

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"Estamos numa corrida contra o tempo e ninguém está a salvo dos efeitos destrutivos da disrupção climática."

Estas palavras foram proferidas pelo Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, numa reunião do Conselho de Segurança, a propósito dos esforços que a organização tem levado a cabo para apoiar as populações deslocadas vítimas de conflitos, terrorismo, instabilidade política e catástrofes.

As alterações climáticas têm originado, ao longo das últimas décadas, fenómenos extremos como secas prolongadas, incêndios de grandes dimensões, tempestades intensas, ondas de calor.

No Corno de África, desde outubro de 2020, as secas prologadas têm vindo a ser mais severas, sendo intercaladas por períodos curtos de precipitação intensa. As perspetivas são de agravamento da insegurança alimentar e de conflitos, que já se estão a traduzir na fuga de milhares de pessoas de toda a região.

Recorde-se, por exemplo, as tremendas inundações na Alemanha e na Bélgica em 2021. Ou as ondas de calor na Europa em 2022 que desencadearam graves incêndios e centenas de mortes. Ou, já neste ano, os recentíssimos incêndios florestais no Canadá que deixaram um rasto de destruição e mantiveram o ar praticamente irrespirável durante semanas em toda a América do Norte.

Considerando apenas a última década, esta seria já uma lista interminável.

Pensemos, agora, numa data ainda mais recente:

3 de julho de 2023 - o dia mais quente alguma vez medido em termos mundiais, em que, de acordo com os registos do NOAA, a temperatura média diária do ar à superfície da Terra atingiu os 17.1ºC.

As alterações climáticas, influenciadas pela ação antropogénica, traduzem-se em três fatores interconectados entre si:

[1] Aquecimento global

[2] Perda da biodiversidade

[3] Subida do nível do mar

Dos três, o aquecimento global é, sem dúvida, o fator que trará maior disrupção social e que colocará desafios à sobrevivência da nossa espécie e implicará transformações de hábitos e comportamentos. Aquilo que uma grande parte das comunidades mundiais tem considerado como praticamente garantido, nas próximas décadas poderá deixar de ser de tão fácil acesso.

As alterações climáticas são um catalisador de conflitos e desempenham um efeito multiplicador, potenciando a criminalidade, o terrorismo e a instabilidade e vulnerabilidade dos estados.

SEGURANÇA HÍDRICA

Do ponto de vista da segurança internacional, as alterações climáticas representam uma significativa ameaça à segurança hídrica, na medida em que a diminuição da água potável disponível irá agravar, ainda mais, conflitos e tensões, já existentes, entre nações. Tendo em conta que, de acordo com relatórios da ONU, atualmente cerca de 40% da população mundial vive já em escassez de água, os cenários futuros são preocupantes.

Ainda no domínio da hidropolítica e segurança, é de salientar que as respostas encontradas pelos diferentes países para mitigar os efeitos das alterações climáticas no seu território pode, per se, desencadear conflitos e tensões diplomáticas. Deste tipo de conflito é exemplo a construção da Grande Barragem do Renascimento Etíope que, desde o início da sua construção, em 2011, tem sido foco de instabilidade e motivo de discórdia entre a Etiópia, o Egipto e o Sudão.

Em todo o mundo assiste-se a uma tendência de intensificação da militarização por parte dos estados em torno de recursos naturais estratégicos.

Um outro desafio é a infiltração de água salgada, decorrente da subida do nível do mar, em terrenos agrícolas e reservatórios naturais e artificiais de água doce. Esta infiltração será cada vez mais frequente, estando já a destruir colheitas e a ser fonte de tensões na região do Golfo Pérsico. A otimização tecnológica dos sistemas de dessalinização da água e a promoção da agricultura salina serão dois pontos-chave para superar os desafios hídricos.

É de referir que Portugal é pioneiro no domínio da dessalinização, com a Central Dessalinizadora da Ilha do Porto Santo, ativa há mais de 40 anos. Estes processos, apesar da sua aplicação em larga escala ser, ainda, condicionada pelos elevados custos financeiros associados, serão cruciais para fazer face à escassez de água doce.

MIGRAÇÃO E REFUGIADOS AMBIENTAIS

Atualmente, são já milhões as pessoas deslocadas interna e externamente devido a catástrofes ambientais. As previsões para as próximas décadas indicam um aumento significativo do número de refugiados ambientais que fogem das suas casas (ou do que sobra delas) em busca de segurança, água, comida, cuidados de saúde, emprego, futuro.

Este será um enorme desafio à segurança internacional, um potenciador de conflitos transfronteiriços, de aumento da conflitualidade social, do tráfico de seres humanos, do narcotráfico e terrorismo, bem como implicará risco para a saúde pública decorrente da deslocação de um elevado número de pessoas em condições de higiene e salubridade muito precárias.

As inundações são um terreno fértil para a disseminação de doenças.

E, de facto, como efeito secundário de catástrofes (mas não só!) as alterações climáticas irão contribuir para o aumento da frequência de surtos.

É cada vez mais fundamental encararmos a saúde como uma só (One Health), reconhecendo a interconexão e interdependência da saúde humana, da saúde animal e da saúde ambiental.

É, por isso, imprescindível que as lições aprendidas que se retiram da gestão da pandemia COVID-19 sejam, de facto, convertidas em práticas adequadas.

DEFESA VERDE

Para além dos desafios associados às alterações climáticas, a dimensão ambiental, de uma forma mais abrangente, está cada vez mais presente quando se fala da segurança das populações.

Não só a existência de fenómenos extremos, mas também as consequências ambientais resultantes de conflitos armados que se traduzem numa contaminação tanto a curto, como a médio e longo prazo. As consequências da contaminação assumem particular gravidade quando não são implementadas intervenções de remediação ambiental e controlo das suas fontes.

Os conflitos armados são, ainda, uma grave fonte de poluição da água, do ar e dos solos, representando um significativo contributo para as emissões mundiais de gases de efeito estufa.

Reconhecendo que tais conflitos não deixarão de existir, pelo menos num futuro próximo, é fundamental minimizar o seu impacto na saúde das populações, dos animais e no meio ambiente.

Desta vontade de tornar o setor da defesa menos poluidor, surgiu o conceito de green defense.

A defesa verde é, portanto, o conjunto de práticas adotadas pelas forças armadas e organizações militares com vista a mitigar os impactos ambientais das suas operações a curto, médio e longo prazo.

Pretende, assim, promover a sustentabilidade, sem que a eficácia operacional seja comprometida.

Os dois principais objetivos desta abordagem da defesa verde são:

  • Reduzir as emissões de gases de efeito estufa resultantes da ação militar;
  • Reduzir a extração e utilização de recursos naturais na indústria da defesa;

Para atingir estes objetivos, a eficiência energética de instalações e equipamentos militares, passa, por exemplo, pela otimização de processos e pela adoção de fontes de energia renováveis, contribuindo assim para minimizar as emissões de carbono. Passa também pela contenção de resíduos, tanto nas bases militares como durante operações no terreno.

Esta abordagem contempla ainda medidas para a conservação de recursos naturais, procurando minimizar o impacto das operações militares em habitats, ecossistemas e áreas naturais sensíveis. No domínio do treino militar, prevê também uma consciencialização ambiental das forças armadas, incentivando a adoção de práticas sustentáveis.

Esta visão da defesa procura encontrar um equilíbrio entre os objetivos e as necessidades militares e a proteção do meio ambiente, reconhecendo a importância da sustentabilidade global para o futuro da Humanidade.

ECONOMIAS DE BAIXO CARBONO

A nível da segurança e relações internacionais prevê-se um aumento da tensão geopolítica, à medida que aumenta a competição na transição energética, tendo presente que alterações no grau de dependência de combustíveis fósseis terão, seguramente, um impacto avassalador nas economias que neles estão alicerçadas.

A inovação tecnológica e a cooperação global são essenciais para encontrar soluções eficazes e permitir uma rápida transição para uma Economia de Baixo Carbono (LCE) isto é, uma economia alicerçada em fontes de energia que produzam níveis reduzidos de emissões de gases de efeito estufa. Esta transição energética, no sentido de diminuir a dependência e abandonar progressivamente a utilização de combustíveis fósseis, trará novas dinâmicas geopolíticas.

No panorama das relações internacionais, emergem diferentes vias e oportunidades de ação e cooperação interestatal no domínio das alterações climáticas, sendo a diplomacia climática imprescindível para responder coletivamente e com sucesso aos desafios climáticos.

As alterações climáticas trazem-nos novos desafios e formas de conflito, mas também novos caminhos e oportunidades para a cooperação internacional.

É necessária uma eficaz adaptação à nova realidade e à possível disrupção ambiental, aumentando progressivamente a resiliência das infraestruturas, dos serviços, das cidades, dos estados, para que as comunidades consigam enfrentar os fenómenos extremos e reconstruir-se rapidamente com o menor dano possível.

As alterações climáticas exacerbam desigualdades existentes, afetando de forma desproporcional os países em desenvolvimento e populações já vulneráveis e marginalizadas, pelo que a segurança internacional passa também pela justiça climática. Do mesmo modo, a mitigação das desigualdades sociais é fundamental para abordar os desafios das alterações climáticas na esfera da segurança internacional.

As alterações climáticas serão, sem dúvida, o desafio do futuro. 


Referências 

The response of the international economic architecture to climate change, Chatham House;

Global Risks Report 2023, World Economic Forum;

National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA, US);

National Intelligence Council, USA. Climate Change and International Responses Increasing Challenges to US National Security Through 2040.