BRANQUEAMENTO DE CAPITAIS por Célia Alves

Inspetora.
Funcionária pública há 13 anos, atualmente em funções na Unidade Nacional de Informações e Investigação Criminal (UNIIC) da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE).
Licenciada em Contabilidade e Administração no Ramo de Gestão Pública (ISCAL)
Pós-graduada em Auditoria (ISCAL)
Pós-Graduada em Informações e Segurança (ISCSP)
Detém ainda o High Degree em Intelligence Estratégica e Terrorismo Global pela ISO-SEC.
O Branqueamento de Capitais, a evasão fiscal, os "crimes de colarinho branco", como todos dias podemos ouvir nos telejornais e ler nos diversos serviços noticiosos, são um verdadeiro flagelo da época moderna.
Nunca se gerou tanta riqueza, o Ser Humano nunca foi capaz de produzir tanto e com tanta rentabilidade, mas, no entanto, paradoxalmente e em simultâneo, nunca houve tanta pobreza, desigualdade, diferencial entre os mais ricos e os mais pobres.
Fenómenos como a Pandemia e a Guerra na Ucrânia vieram agravar essa triste realidade.
90% da riqueza estar nas mãos de 10% da população foi uma relação que já foi ultrapassada e não em beneficio daqueles que menos tem.
Por isso é preciso combater o Branqueamento de capitais porque, sem isso, de facto, não há Estado de Direito, não há Estado Social, não há solidariedade, não há igualdade, não há humanidade.
Para entender, um pouco, este complexo fenómeno, apresentamos um texto fantástico da nossa Formadora Célia Alves.
BRANQUEAMENTO DE CAPITAIS
Por: Célia Alves
"O Parlamento Europeu estimou que a corrupção em Portugal custe anualmente o equivalente a 8% do PIB, pouco menos do que a % do orçamento anual da saúde."; "Estima-se que o montante dos casos de corrupção conhecidos equivale a 30% da dívida pública nacional.", "Em 2019, de acordo com o GRECO (entidade do Conselho da Europa que monitoriza o combate à corrupção), apenas 1 das 15 medidas anticorrupção recomendadas em 2016 foi plenamente implementada em Portugal (que corresponde a 6,7%)"; "Nos últimos 21 anos Portugal regrediu do 23º (2000) para o 32º lugar em termos de corrupção no sector público."
Estávamos em 2021 a 32.ª posição na lista dos países menos corruptos em escala mundial, num conjunto de 176, pertencia a Portugal e oferecia um (suposto) porto seguro. Assim o reportava o Índice de Perceção de Corrupção (IPC), mas, por quanto tempo? Porto seguro esse que nos poderá tornar um local apetecível. De não suspeição, e de irremediáveis esquemas que nos colocarão brevemente numa posição bem acima na lista do IPC até agora conseguido e com o verniz da economia e da justiça a estalar.
Corrupção, subornos, branqueamento de capitais, negócios ilícitos, prevaricação, abuso de poder, crimes de colarinho branco, são algumas das diferentes figuras do mesmo problema. Nos últimos 30 anos, em Portugal, todas elas têm vindo a aumentar, com os tão conhecidos escândalos daí decorrentes.
Ora por falta de ética, ora por existência de lacunas legislativas, o que é certo é que os esquemas para obter mais dividendos têm vindo a crescer exponencialmente ao ritmo do desenvolvimento tecnológico, e quanto mais regulação ou penalização surge, novas hipóteses de crime se inventam.
Funcionários públicos, diplomatas, políticos, ministros e até chefes de Estado. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico encontra registos de corrupção em todos os degraus das máquinas do Estado. Mas a grande maioria do dinheiro vai parar aos bolsos dos funcionários de empresas detidas ou controladas pelo Estado, entre os quais se contam também os gestores.
Abrangidas pelo artigo 368-Aº do Código Penal, as alegações de corrupção referem-se, na sua maioria, a outras situações, onde se inclui o branqueamento de capitais.
São exemplos dos mais conhecidos casos dos últimos anos os casos do BCP, Paquetes da Expo, Freeport, Vistos Gold, Processo Monte Branco, Operação Furacão, Processo Face Oculta, Banco Privado Português, Grupo Espírito Santo (GES/BES).
Todos estes e muitos outros, como os designados "Panama Papers", "Pandora Papers", "Lava Jato" e também as operações "Rota do Atlântico", "Crossfire" e "Tutti Frutti", causam um tremendo dano reputacional ao país.
Por palavras simples, o branqueamento de capitais, que na gíria é a vulgar "lavagem de dinheiro", é a movimentação de dinheiro que serve para camuflar a origem ilegal de obtenção de capital, que pode assumir diversas formas.
As vantagens obtidas ilicitamente estão normalmente relacionadas com a prática de crimes como a associação criminosa, a pornografia de menores, o terrorismo, o tráfico de estupefacientes, o tráfico de armas e de pessoas, a fraude fiscal, a falsidade informática, o tráfico de influência, a corrupção e peculato e a contrafação.
O seu processo engloba 3 fases distintas e sucessivas:
- a colocação, do dinheiro proveniente do crime no sistema financeiro;
- a circulação, do dinheiro para esconder a sua origem ilegal, e;
- a integração, do dinheiro na economia legal.
O impacto do processo vai desde a distorção das sociedades da economia com a introdução de dinheiro proveniente de atividade criminosa na economia legal, contribuição para a expansão das estruturas criminais; infiltração em negócios legítimos, até perdas de receitas do Estado e consequente impacto negativo na distribuição da riqueza.
O risco da colocação, primeira fase do processo, está nas transações que ocorrem em atividades que de venda dos seguintes bens: artigos de arte, vestuário de alta-costura, joalharia, pedras e metais preciosos, álcool e tabaco, automóveis e veículos, embarcações de recreio, autocaravanas, aeronaves de turismo, equipamentos eletrónicos de elevada procura e tecnologia e intermediação desportiva.
No entanto apesar de muito se ouvir falar de "lavagem de dinheiro" e branqueamento de capitais, muitos apenas conhecem sobre isso os casos mediáticos e apenas estão cientes e alertas para as transações, em numerário superior a: 2.999€, no caso de pessoas singulares, 999€ no caso de pessoas coletivas e 9.999€ no caso de pessoas singulares não residentes em território português.
Então o que se pode fazer para travar o ciclo do branqueamento de capitais?
1 - Enquanto cidadão deve informar-se corretamente, pedir sempre fatura em todas as compras, não adquirir bens de contrafação, evitar jogos de ganho de dinheiro fácil, especialmente os on-line, principalmente de mineração de criptomoeda, e obter formação específica. Muito importante: no caso de exercerem funções de dirigentes ou representantes legais em empresas com atendimento ao público, promoção de negócios, vendas, contabilidade em áreas consideradas de risco para este[3].
2 - Enquanto entidade obrigada está sujeita a 10 deveres preventivos, isto é: dever de controlo, dever de identificação e diligência, dever de comunicação, dever de abstenção, dever de recusa, dever de conservação, dever de exame, dever de colaboração, dever de não divulgação, e dever de formação.
3 - Enquanto entidade fiscalizadora e reguladora é necessário estar atento ao risco das transações analisadas e fazer um controlo apertado de operações suspeitas das quais são exemplos:
- transações cujo cliente é estrangeiro e/ou beneficiário de offshores;
- transações efetuadas por altos cargos, outras pessoas politicamente expostas e indivíduos relacionados com investigações publicamente conhecidas;
- transações cujo pagamento é fracionado;
- transações onde são usados múltiplos meios de pagamento;
- transações elevadas num curto espaço de tempo;
- transações onde os valores não são congruentes com a atividade profissional do cliente;
- transações em que a profissão declarada pelo cliente refere empresas inexistentes;
- aquisições de metais preciosos, por entidades sem ligação ao negócio dos metais preciosos;
- transações efetuadas por residentes em países terceiros de risco elevado.
"A ausência de vontade política na regulação ética da própria política (...) Faz-se legislação, mas na prática a legislação é feita com alçapões. (...) Para isto contribuem instituições que, existindo e funcionando, "não têm capacitação", recursos ou staff, para o fazerem. Exemplo máximo: a Entidade das Contas e do Financiamento Político (que funciona na orla do Tribunal Constitucional) e o Conselho de Prevenção da Corrupção (CPC)."
Numa década, a média de processos que entraram na Polícia Judiciária para investigação aumentou 63%, houve mais arguidos e mais condenados a penas mais duras. Mas a elevada taxa de arquivamentos (62% em 2020) e a demora no tempo de investigação (18 meses em média) revela uma notória falta de meios para investigar mais.
Reconhecendo que já se notam melhorias significativas quanto aos crimes de colarinho branco de que são maioritariamente os crimes de BCFT, é ainda preocupante a lacuna legislativa e, consequentemente, sancionatória para este esquema, ainda que a mesma seja atenuada por não haver análises perfeitamente desenvolvidas, por forma a ser passível de regulamentação específica e feita de conhecimento do terreno.
Quanto às organizações, deve-se lutar pelo correto, optando pelo zelo, manifestamente em detrimento de meros quantificadores de produtividade que nada revelam sobre o real significado das análises e fiscalizações feitas, simplesmente por não ser possível mesurar, no momento o valor e benefício futuro de uma investigação e a sua quebra do ciclo do crime,
Deve-se, simultaneamente, relembrar o parco número de efetivos e logística existentes e as ponderações de razoabilidade necessárias para que não se estreite demasiado a malha dos filtros de análise, e para não bloquear nem a economia nem todo um processo, já de si muito pouco célere,
No fundo, a medida certa estará em apertar um pouco mais a malha da rede, e criar gabinetes com mais recursos humanos, ao mesmo tempo que se criam normativos completos, não só fiscalizadores, mas que regulem e que implementem soluções mais ágeis.
Quanto ao comum dos mortais, há que ganhar consciência que o Estado, é, não só as organizações, entidades e organismos estatais, mas, todos nós, expressão tão já vulgarizada, mas que não foi interiorizada. Os crimes que lesam o Estado não estão apenas e só a lesar os cofres do Estado, mas a lesar o bolso de todos os contribuintes. O seu, o meu e o de todos. É do nosso bolso que sairá o valor para repor todos estes danos patrimoniais, fiscais e financeiros. Portanto somos todos nós que devemos tomar a consciência do que fazer para não permitir ou facilitar tais ocorrências.
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