en-LIDERANÇA PRECISA-SE! E RESPONSABILIZAÇÃO TAMBÉM! por David Morgado

David Morgado é oficial da Marinha Portuguesa e formador da ISO-SEC nas áreas do Ciberterrorismo, Cibersegurança, Ciberdefesa, Ethical Hacking e Segurança da Informação.
Com o mote da morte recente de Mikhail Gorbatchov, o último líder soviético, o David Morgado faz uma reflexão profunda sobre o que é a liderança e de que líderes precisa o mundo atual.
Talvez, e só talvez, não precisemos de mais recursos, de mais métodos, políticas e estratégias.
Talvez precisemos, isso sim, de verdadeiros Líderes capazes de nos indicar o caminho e fazer com que as coisas, de facto, aconteçam.
LIDERANÇA PRECISA-SE! E RESPONSABILIZAÇÃO TAMBÉM!
Por: David Morgado
No passado mês de Agosto o mundo perdeu um líder que arriscou mais do que o habitual para tentar mudar o que o rodeava quando estava no poder - a própria vida. Estamos a falar de Mikhail Gorbachev. Não, o seu governo não foi perfeito. Longe disso. Mas Mikhail Gorbachev ao ver o caminho que a União Soviética estava a seguir e o que o futuro acalentava para o seu país tentou inverter o rumo das coisas. Não fosse isso e talvez a Guerra Fria tivesse outro desfecho. Talvez mais frio e custoso para o mundo. Sobretudo para as Repúblicas Soviéticas. Daí que dizer que os Estados Unidos da América (EUA) ganharam a Guerra Fria pela ideologia e pela sua capacidade talvez seja algo exagerado. Não que num futuro a médio prazo não o conseguissem, mas porque foi a iniciativa de Gorbachev em diminuir a tensão entre Moscovo e Washington para conseguir ao mesmo tempo divergir recursos para as suas reformas que permitiram uma aproximação à paz. Da Mutual Assured Destruction conseguiu-se transitar para a Mutual Assured Security.
Mas o pai da glasnost, perestroika, uskoreniye e da demokratizatsiya não anteveu o que tanta liberdade e mudança de uma só vez iriam provocar num país fechado, censurado e ultracontrolado. Nem os próprios soviéticos souberam. Sem orientações expressas e centralizadas como antigamente, mas com um elevado grau de autonomia de ação, os setores económicos fizeram-se ressentir ainda mais do que na Era da Estagnação, pois o Estado também deixou de providenciar financiamento, aumentando os sentimentos de Nacionalismos por toda a União Soviética, agora mais livres para se expressarem.
Da parte de Gorbachev o líder soviético só pretendia ingenuamente ter um partido (comunista) menos corrupto e um Estado mais produtivo e eficaz. Se para isso tinha de se aproximar do Ocidente tal como os grandes czaristas fizeram no passado, e se para isso o custo seria alguma democratização, para Ele, o preço seria justo. Até porque deste modo ações políticas conservadoras e contragolpes poderiam ser rapidamente divulgados e combatidos, como sucedeu em 1991. E a glasnost garantiria uma liberdade de expressão e de imprensa que impediriam o retrocesso das suas reformas, tal como aconteceu com as reformas de Nikita Khrushchev, que apesar de mais limitadas, foram ainda assim canceladas pelo seu sucessor Leonid Brezhnev, mais conservador e autoritário.
Mas o que nos traz aqui não são as políticas de Gorbachev per si. O que é de mencionar (e louvar), é a capacidade que ele, Ronald Reagan e outros líderes mundiais tiveram para colocarem as suas divergências de parte e construírem um mundo melhor e mais seguro. Atualmente encontrar consenso é mais difícil.
Após mais uma Conferência dos Oceanos e depois de tantas ações de divulgação e de alerta para a poluição no mar, a sobrepesca e outras atividades de exploração (e de depredação) dos oceanos, as conversações para a elaboração de um "Tratado dos Oceanos" pelas Nações Unidas revelaram-se infrutíferas. A importância deste Tratado é justificada pelo objetivo de serem criadas normas vinculativas referentes à proteção da biodiversidade em dois terços de áreas oceânicas no mundo, e que ficam fora das águas territoriais dos Estados ribeirinhos.
Mas enquanto os Estados continuam a discutir e a negociar a forma das suas agendas internas saírem beneficiadas, e a não se quererem comprometer com Estados adversários, os nossos mares continuam a morrer. E a ficarem vazios de vida mas cheios de poluentes, lixo e microplásticos.
Mas se os recursos marinhos estão cada vez mais depaurados, em terra as coisas não estão melhores. A guerra na Ucrânia provocou a diminuição de oferta e o aumento consequente do preço dos cereais e de outras commodities antes consideradas garantidas. Mas o que este conflito esconde é a tendência crescente desta situação face ao esgotamento dos solos face à agricultura intensiva, ao uso de químicos e às secas devido às alterações climáticas. A Segurança da Alimentação (Food Security) passou a ser uma prioridade para os Estados, governos e respetivas populações, investindo na criação e reforço de cadeias de fornecimento e de reservas alimentares (Hoarding).
Mas se Estados ricos como a China ou os EUA continuarem a comprar e a manterem os níveis das suas reservas alimentares altos, as especulações em termos de preços não só para os países mais pobres como também para países desenvolvidos mas com outras preocupações poderão ser catastróficas. No caso da China em particular, os seus vastos investimentos nos vários níveis das cadeias alimentares mundiais, são inclusive, na aquisição de terrenos para produção agrícola em países estrangeiros um pouco por todo o mundo. Isto poderá originar crises sociais nesses mesmos países, ao sofrerem falta de oferta alimentar, mas verem os alimentos produzidos a serem enviados para fora.
Até na aplicação de novas tecnologias o consenso está longe de existir. A Global Commoditie que é a Internet é cada vez mais pressionada para ser legislada a nível mundial. Por uns que querem garantir a sua neutralidade e utilização livre. Por outros para reivindicar soberania e assim cumprirem os seus conceitos de "Segurança da Informação", principalmente em termos de controlo das atividades digitais e físicas das suas populações. O agravamento dos diferendos entre os países democráticos e os mais autocráticos, assim como o uso do Ciberespaço de forma intrusiva e agressiva por parte de todos, incluindo por agências estatais, estagnarão ainda por muito tempo esta discussão em termos de Direito Internacional, aumentando o número de ações de ciberespionagem, cibercrime e outros tipos de ciberataques.
Como se não bastasse, somos cada vez mais. E cada Ser Humano que nasce quer ter na maioria das vezes, o estilo de vida com que é bombardeado pelos mass media todos os dias, senão mesmo ultrapassá-lo. E sejamos francos, muitas vezes é por razões psicossociais de querer mostrar estatuto e procurar aceitação social. O que leva ao consumismo e aos problemas referidos anteriormente. Portugal por exemplo, gastou os recursos que consegue renovar anualmente a 7 de maio de 2022. Os recursos que consegue renovar...
O crescimento da população mundial e as crises económicas e ambientais têm provocado fluxos migratórios de elevadas proporções mas também os conflitos políticos e militares com a fuga de milhares de refugiados para países mais seguros e com melhores condições. Não só estas deslocações provocam enormes pressões sociais, económicas e logísticas nos países que os acolhem, como o caso da Grécia, como o próprio processo de acolhimento e integração, que difere de país para país (outro diferendo), caso não seja devidamente processado e acompanhado, suscitará ele próprio crises em termos sociais e de segurança.
Algo tem que mudar. E sim, em economias de escala e de redistribuição é possível reduzir de forma sustentável e possuir margem de lucro. Mas uma mudança radical e espartana nos nossos hábitos também poderá ser perigosa. Num mundo onde os mercados e as cadeias logísticas estão profundamente relacionados e dependentes dos hábitos humanos, um decrescimento do consumo e da consequente produção terá de ser faseada e devidamente acompanhada e apoiada. Basta observarmos que a diminuição do consumo leva à diminuição de lucros ou mesmo a despesas, que levará a taxas de desemprego que provocarão crises e instabilidade social. Instabilidade essa que será aproveitada por grupos extremistas para tentarem impor as suas ideologias e estabelecerem-se como as novas elites locais. E uma crise é sempre aproveitada por uma ideologia. Seja de direita, esquerda ou puramente terrorista.
Com as sanções económicas à Rússia pelo ocidente, as sanções energéticas da Rússia aos seus adversários e o aproveitamento da China e da Índia desta crise para os seus mercados (entre outros países), dificilmente os desafios se ultrapassarão a curto prazo. Mas é também errado procurarmos um culpado exterior, uma fonte externa para os nossos problemas. Isto é o que os grupos extremistas fazem. Divide and Conquer (Dividir para Conquistar) é a sua estratégia. Cada país tem neste momento verdadeiros desafios internos que os deverá abordar de forma frontal. É por aí que temos que começar. Depois sim, de forma holística, "atarmos as pontas" de cada país para criarmos economias mais robustas e sociedades mais seguras.
É por isso que o mundo precisa de Liderança. Não só de Gorbachevs com coragem para o mudar, mas também de Ronald Reagans para aceitarem a mudança como uma oportunidade.