TENHO UM CÃO CAPAZ DE ENCONTRAR PESSOAS “DESAPARECIDAS”: Já posso ir para áreas de operações? por Filipe Fonseca

Formado em Cuidados Veterinários pelo Instituto Politécnico de Bragança
Proprietário, treinador e formador do centro canino Canisupreme
Conta com mais de 19 anos de experiência na canicultura, tendo formação nas mais variadas vertentes (Exposições, desportos caninos, guarda e segurança, detecção de substâncias, busca e salvamento...)
Gere uma equipa de binómios caninos de busca e salvamento e faz a preparação de guias e canideos para essa mesma função.
Ministra formação na área da canicultura e da busca e salvamento com recurso a canideos.
Nos últimos anos, o aparecimento de VOADs (Voluntary Organizations Active in Disaster), isto é, organizações de voluntários ativas em desastres, tem aumentado exponencialmente.
E ainda bem!
Quando o pior acontece todos temos de ser úteis!
No entanto, a vontade de fazer não se pode sobrepor à capacidade de fazer e de fazer bem, porque o que importa é ajudar e nunca o contrário.
E, para conseguir ajudar é preciso saber, ter treino, ter experiência, ter conhecimento.
Filipe Fonseca faz, neste texto, uma breve abordagem a um dos muitos aspetos da intervenção em desastres, a busca com canídeos, em contexto de emergência e catástrofe, brevemente uma área de formação da ISO-SEC.
TENHO UM CÃO CAPAZ DE ENCONTRAR PESSOAS "DESAPARECIDAS":
Já posso ir para áreas de operações?
Por: Filipe Fonseca
A pergunta parece descabida, mas é um retrato fiel da leveza com que esta área ainda está a ser encarada. Vamos por partes...
Ninguém pode (ou deveria) estar presente em teatros de operações com canídeos sem aprovação nas provas específicas para a finalidade, sejam elas as provas nacionais ou as de regulamento internacional. São estas provas que testam a aptidão do canídeo nas mais diversas vertentes (obediência, agilidade, destreza, coragem, capacidade de busca, etc). Qualquer binómio, que leve esta área a sério, não deve ter medo destas provas, elas são necessárias para a demonstração, reconhecimento e validação do vosso trabalho, por parte das autoridades, que andarão lado a lado no terreno convosco.
Mas, não complicando, e ignorando a questão legal da área, nenhum cão está a "trabalhar" sozinho numa AO. O guia e o cão são uma equipa que tem que trabalhar numa constante simbiose, fala-se por isso em binómio de busca e salvamento. Há uma analogia que uso bastante nos treinos de preparação para estas funções, "ter um cão preparado e um guia incapaz, é como ter um Ferrari em casa e não saber conduzir".
O que acontece nesta área é que o foco está quase inteiramente no canídeo e esquece-se o guia. Há inúmeras formações de como treinar cães para esta função, como preparar figurantes para esta função, mas, e os guias???
As equipas esquecem-se de fazer treinos vocacionados para "enriquecer" o guia. Falham em explicar aos membros mais iniciados que eles e o seu cão terão de ser um só, quer em treino quer numa situação real. Não pensam tão pouco em trabalhar a ligação entre o guia e o cão antes de iniciar verdadeiramente o treino de busca. Sem uma excelente relação do binómio, a excelência nunca pode ser alcançada. O guia tem que saber interpretar tudo que o seu cão lhe transmite. A título de exemplo, a cadela mais experiente da nossa equipa começa a ganir quando já localizou o odor da vítima, mas, ainda não consegue precisar onde, por outro lado a neta dela muda por completo o movimento da cauda, para um movimento estilo "helicóptero" quando está na mesma situação.
Perceber o próprio cão parece uma tarefa árdua, mas óbvia para o desempenho da função. A questão é que para o guia perceber o cão tem antes que perceber a ciência dos odores, tem que perceber que o odor se movimenta de uma forma diferente consoante a temperatura, as superfícies, a humidade, a exposição solar, etc. Nós, guias, temos que ser capazes de "ver" as correntes de odor e interligar essa leitura com as informações que o cão nos está constantemente a fornecer. Ser guia K9 é muito mais que soltar um cão e esperar até que ele ladre, caso contrário qualquer um o faria. Ser guia K9 é ter conhecimentos científicos, técnicos e acima de tudo psicológicos para o desempenho da função.
Inevitavelmente, quando começamos a formação do guia e do canídeo em simultâneo, iremos ter o cão mais rapidamente preparado para situações reais do que o guia. Torna-se aliás contraproducente fazê-lo, pelo risco de prejudicar a solidez de treino do canídeo com erros resultantes da inexperiência.
Formar um cão para busca e salvamento (na maioria das vezes) é um trabalho de meses, formar um guia é algumas vezes uma questão de anos. Então, aposte-se na formação destes elementos mesmo antes de trabalharem com cão, para que depois, seja sim uma questão de meses e os possamos ter no terreno no seu melhor!